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Apartamento 48

Do apartamento 48 é possível ver muitas coisas e entender o mundo. O espaço é grande e acolhe alguns visitantes ilustres e muitas memórias de coisas que foram vividas ou não.

Apartamento 48

Do apartamento 48 é possível ver muitas coisas e entender o mundo. O espaço é grande e acolhe alguns visitantes ilustres e muitas memórias de coisas que foram vividas ou não.

O que eu não entendo sobre o amor

Antonio Marques, 24.11.24

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Mais um dia em Lisboa, e eu aqui, sozinho no apartamento 48, para variar. A Fátima não veio trabalhar hoje, e amanhã também não virá, pois é a sua folga. Deve vir trabalhar no fim de semana. Ela costuma vir aqui pelo menos três vezes por semana, como já mencionei anteriormente.

Estou sozinho, ainda a sentir profundamente a ausência do Hércules, o meu cão de estimação, que faleceu há dois anos. Hoje, a navegar pelas redes sociais, acabei por visitar o Instagram da minha ex-namorada, a Estefânia. Tivemos um relacionamento de cinco anos, mas terminámos há outros cinco anos. Bem, na verdade, foi ela quem terminou. Se fosse por mim, acredito que ainda estaríamos juntos, talvez até casados e a morar aqui no apartamento 48.

As coisas do coração são complicadas, e eu não percebo muito sobre o amor. Confesso que ainda tenho um carinho especial pela Estefânia. Apesar de já não estarmos juntos, admiro-a como mulher e como pessoa. Sempre me tratou bem, e conseguimos manter uma amizade após o fim da relação. Hoje, ela está num novo relacionamento e eu continuo sozinho.

Nestes cinco anos, não consegui avançar com outro relacionamento. Comecei alguns, mas nenhum durou mais do que uma semana ou quinze dias. Por várias razões, não resultaram. Talvez me tenha habituado à solidão, ao meu espaço e à liberdade que ela traz.

Agora, o que eu não entendo sobre o amor é por que as pessoas têm esta necessidade de apagar o passado. Deixe-me explicar: até dois anos depois de terminarmos, a Estefânia ainda tinha fotos nossas nas suas redes sociais. Fotos de viagens a Nova Iorque, Nova Orleães, Itália e momentos especiais. Contudo, quando começou o novo relacionamento, começou também a apagar algumas dessas imagens.

Ao revisitar o perfil dela, percebi que recentemente apagou todas as fotos restantes. Não ficou uma única memória visível de nós dois. Foi como se ela quisesse eliminar qualquer vestígio da nossa história.

Entendo que, quando se está com alguém novo, pode não ser adequado manter fotos a beijar um ex-namorado. Contudo, por que apagar tudo? Afinal, essas imagens contam uma história que vivemos juntos. É uma parte do que fomos, e, de certa forma, do que somos hoje.

Penso que não faz sentido apagar algo que está gravado na nossa memória. Mesmo que eliminemos as fotografias, não conseguimos apagar as lembranças. Elas permanecem connosco, para sempre.

Eu ainda mantenho algumas dessas fotos. Não sei se algum dia as apagarei. Talvez fale com ela sobre isso, mas o que realmente não entendo é esta necessidade de apagar o que foi vivido, como se nunca tivesse acontecido. O amor não devia ser algo que apagamos, mas algo que guardamos com carinho, mesmo que tenha terminado.

De volta a Lisboa

De volta a Portugal, é tempo de uma nova vida

Antonio Marques, 07.11.24

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Antes de mais, peço desculpa por estes dois anos de ausência por aqui. Depois que o Hércules morreu, não consegui permanecer neste apartamento com todas aquelas lembranças de 15 anos de convivência com o meu amigo fiel, o meu cão tão querido.

Dei à Fátima umas férias prolongadas e fui para o Brasil. Nestes dois anos, ela veio cá frequentemente ver o apartamento e abrir as janelas para entrar sempre ar puro. Ontem regressei, e quando pus os pés aqui em Lisboa senti algo bom, uma mistura de amor e saudade.

Quando entrei no apartamento, a Fátima já me esperava com um almoço. Na verdade, um banquete. Como disse antes, ela é como uma mãe para mim.

Nestes dois anos no Brasil, o Hércules esteve sempre presente nas minhas lembranças, mas agora a dor da perda está mais amenizada. Confesso, porém, que ainda dói saber que ele não estará mais por aqui. Foram dois anos de luto.

Durante esse tempo, li alguns livros que me ajudaram a entender e lidar com esta situação. Estar fora do país também ajudou, e aproveitei para visitar muitos familiares no Brasil, incluindo amigos de infância.

De volta a Portugal, é tempo de uma nova vida. Nestes dois anos no Brasil, não houve um dia em que não escutasse a Rádio Amália pela internet para ouvir os fados que acalentam a minha alma. Também ouvi, através de aplicativos de música como o Spotify, muitos cantores portugueses e as suas inúmeras canções, como Carlos do Carmo e a nossa rainha, Amália Rodrigues.

A saudade de Portugal fez-me bem, pois agora quero retomar a minha vida, sentir o ar e apreciar a beleza desta terra. Não vou ficar fechado no apartamento 48, mas ainda não consigo pensar em ter outro animal de estimação.

Agora vou descansar. Amanhã levanto-me cedo. Ah, antes de ir, deixem-me contar que a Fátima comentou que estou com cara de apaixonado. Sim, estou mesmo, mas conto-vos sobre isso no nosso próximo encontro aqui. Beijinhos a todos!

Preciso de um novo animal de estimação

Antonio Marques, 25.11.22

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Foram 15 anos de amizade. Sim, o Hércules era meu amigo, não se limitava a ser um cão de estimação que simplesmente obedecia às ordens do seu dono.

Apesar do nome de alguém famoso, ele era um cão pequeno que ocupava pouco espaço aqui no apartamento 48, mas no meu coração tinha todo o domínio.

Ontem o Hércules foi-se e isso deixou-me muito triste porque eu imaginava que por ser saudável e alegre pudesse chegar aos 20 e tantos anos. O apartamento 48 é muito grande. Moro sozinho e os quatro quartos estão sempre vazios à espera de uma visita, talvez amigos ou familiares.

Porém, se passaram muitos anos que ninguém entrou aqui e eu e o Hércules sempre fizemos companhia um para o outro. Na verdade, estou sendo injusto e egoísta ao falar somente do meu querido cão de estimação que se foi, porque existe sim uma outra pessoa que me faz companhia três vezes por semana. É a Fátima que vem aqui às terças, quintas e sextas.

Ela lava as minhas roupas, faz comida que congelo para os outros dias, mas algumas vezes meto-me a cozinhar porque acaba sendo uma terapia para mim. Sou muito grato à Fátima por esses mais de 25 anos de ajuda. Sim, antes que você pergunte, ela já é uma senhora, mas leal e considera-me como um filho. Outro dia falo dela e de outros seres que considero.

Hoje quero lembrar do Hércules, porque ainda sinto muito a sua falta e o vazio que ele deixou nesse apartamento. O Leonel ligou-me lá do Brasil e aconselhou-me a arrumar um novo animal de estimação, mas não sei se vou conseguir substituir o meu amigo de quatro patas por outro.

Entretanto, preciso de alguém aqui. Pensarei seriamente nessa possibilidade, mas claro, vou dar a esse novo animal de estimação um nome diferente porque não concordo com a repetição de nomes em pessoas e animais. Mas nesse momento quero apenas viver o luto da perda do Hércules, porque ele era único, era meigo, inteligente e feliz.

Sim, era um animalzinho feliz que parecia gostar de tudo. O Hércules dormia comigo a maioria das vezes. Lembra que falei no começo que os quatro quartos estão sempre vazios? Pois, é. Cada dia a gente escolhia um quarto para dormir ou simplesmente para ver televisão.

O dia mais marcante desse tempo todo com o Hércules foi quando eu fiquei muito gripado. A Fátima estava viajando para o Porto e era uma semana em que teria que me virar.

Eu fiquei acamado por vários dias e saía somente para ir ao banheiro, alimentar-me e tomar banho. O resto do tempo ficava na cama ou deitado num colchão no chão. O Hércules não me deixava sozinho nem por um instante. Parecia que ele sabia que eu precisava de apoio e companhia. Era maravilhoso.

Talvez eu conte mais histórias sobre ele em breve, mas agora vou parar de escrever porque as lágrimas continuam a cair. Hércules será lembrado e amado eternamente por mim e por todos que o conheceram.

A Fátima está chegando para fazer o almoço (hoje é quinta-feira), mas nem sei se vou conseguir comer. Mas a companhia dela, nesse dia solitário e triste fará-me bem. Apesar das circunstâncias que nos encontramos hoje, não posso deixar de dar a você as boas-vindas ao apartamento 48. Aqui sempre cabe mais um.